Um sonho chamado Santo Inacio, a casa de Carlos Barth Junior
Antonio Carlos Gerbase baseado em texto de Léa Barth Gerbase
Em 1923 Carlos Barth Junior voltou ao Brasil depois de uma temporada na Alemanha Foi tratar da saúde e quando la chegou lhe informaram que estava são. Passou um ano na Alemanha da hiperinflação. Situação e péssima para a população e ótima para ele e seu cunhado Roberto. Com libras esterlinas no bolso viajaram muito e muito compraram.
No navio que os trouxe de volta se encontrava o arquiteto e engenheiro Adolf Siegert. Muito conversaram durante a longa viagem. Construíram uma boa relação de amizade e fizeram planos.
A família de Carlos Barth morava naquela época na Rua Formosa (hoje Florencio
Ygartua) na mesma rua moravam as famílias Machado, Jung. Gertum, entre outras. Em uma esplendida casa de esquina morava a família Stumpf.
Aos domingos o casal Barth (antes ou depois da ida de Carlos ao Prado), muitas vezes com sua filha Léa, então com 4 anos, costumava dar caminhadas na direção ao Moro Ricaldone, pouco habitado naquele tempo.
Pertencia antes de ter sida adquirido pelo Dr. Ricaldone, aos padres Jesuítas A casa dos padres ainda existia e a única grande edificação era o palacete do Dr. Ricaldone, que tinha adquirido o grande lote de terra dos padres. Se a escolha do morro com vista para o Rio Guaíba e a planície de seu delta foi determinada pela vontade de reproduzir a pequena cidade ligúrica de Ricaldone não se sabe.
O casal Barth, Carlos e Elvira se encantaram como local e resolveram adquirir um terreno na Rua Santo Inácio esquina oposta a casa de Ricaldone. Começou o sonho da construção de uma casa, das raras ainda existentes na rua, tombada pelo patrimônio histórico, e hoje encontrando uma nova função.
Carlos Barth Jr. era comerciante, dono e fundador da loja "A Brasileira', localizada no centro da cidade na Rua Uruguay 318. Era filho de alemães imigrados para a região de Rio Pardinho. Nasceu em 1887 e de sua juventude ficou o gosto pelos cavalos e pelo comercio em 1902 mudou-se para Porto Alegre e passou a trabalhar como caixeiro viajante. Em duas décadas estava no centro, abrindo a sua A Brasileira" a cada manha. Pessoalmente do mezzanino, respaldado por seu cofre controlava o movimento da clientela e funcionárias com grande carisma.
Dona Elvira era também filha de emigrantes alemães. Sonhava com castelos e famílias solidas, elegantes e ricas. Jacob Friederichs, pai de Elvira, veio com seus irmãos buscando novas oportunidades compatíveis com sua formação. Tanoeiro no Mosel tornou-se comerciante de madeiras e dono de empresa de marcenaria. Um produto seu muito popular foram as cubas. Barris nos quais eram recolhidos os dejetos domésticos que, transportados pela administração publica eram despejados no Rio Guaíba. Os irmãos de Jacob, Miguel a Aloys, e também o sobrinho Vincent, filho de Miguel, desenvolveram importante trabalho de construção civil, esculturas e decoração de fachadas. Aloys também foi importador de vinhos. São testemunhas de sua produção monumentos públicos e mortuários e o gosto particular de Porto Alegre pelo estilo de vinho produzido pelo irmão Josef Friederichs em Zell na der Mosel: o "Zeller Schwartze Katze". Em Zell e em Porto Alegre progrediram e se fizeram respeitados.
Quando Elvira recebeu a herança de seu pai tornou-se possível pensar na construçãoda casa. A firma ia bem, os 4 filhos, Egon, Harry, Renata e Léa, cresciam.
Ainda em contato com o companheiro de viajem Adolfo Siegert, pediu que ele projetasse a planta da casa a ser construída. Deveria ter quatro quartos de dormir, uma capelinha onde Dona Elvira colocaria a imagem do seu Coração de Jesus que a acompanhava desde seu casamento.
O arquiteto ao apresentar o projeto assustou o casal pois ficou bem maior do que imaginavam construir, Era uma mansão de três pisos com um hall central grande em todos os andares, cercado pelas salas e quartos dos respectivos andares. No térreo um corredor de entrada com colunas de madeira levava ao grande hall que distribuía a circulação ao escritório, salas de estar e jantar e salão de musica. Ao fundo uma escada de belo porte levava ao segundo e terceiro andar.
Na época a construção causou um impacto. Pouco a pouco foram aparecendo outras casas na rua Santo Inacio. Nos anos de 1926 a 1928 foram construídas a casa do Engenheiro Stern, que havia construído, ao lado a casa do Sr. Ricaldone. A seguir surgiram as casas dos Irmãos João e Alexandre Rego. Em frente a casa do Engenheiro Stern foi construído o lindo palacete de Brasil Cesar, ainda existente e reconvertido em espaço de recepção a edifício comercial e residencial.
Já existia também, guando foi construída casa de Carlos Barth Junior, onde hoje está hoje o edifício Padilla, um chalé, não muito grande, mas bonito, da Família suíça Lutzinger. Deixaram o Brasil pelos anos 27 ou 28.
Léa, a filha caçula de Carlos e Elvira, foi despedir-se de sua amiguinha que partia. Pediram que ela escolhesse algo como lembrança. Colocou os olhos em dois pequenos vasos de porcelana, ladeando uma imagem da virgem, que Ihe acompanharam por toda a vida.
Este chalé foi adquirido pela família Aranha. Moavam naquela ocasião com Dona Luiza Aranha, a mãe do politico e diplomata Oswaldo Aranha, Euclides “Guido”, José e Antônio. Na casa de D. Luiza aconteceram muitas reuniões ligadas a revolução de 30.
Com eles e outros amigos os filhos de Carlos, Egon e Harry jogavam tênis num terreno que ficava atras da antiga casa dos Jesuítas e dava fundos com a casa do Dr. Vanieri, genro da Dona Luiza Aranha. Tendo o Dr. Fernando Becker feito, algumas vezes, o papel de marrecão, para os jogos de Renata, irmã de Léa.
Naquela época, na casa dos jesuítas morava o Dr. Fernando Esteves, sua esposa e seu filho Paulo, futuro oftalmologista, companheiro de brinquedos de Léa.
A construção da casa de Carlos Barth foi para o Engenheiro Adolf Siegert muito importante. Foi uma demonstração de sua capacidade e de seu talento. Teve um estilo marcante em diversas novas construções em Porto Alegre e em um belo edifício construído para o irmão de Carlos Bath, Adolfo Barth, onde "A Brasileira, na rua Uruguay 318 funcionou até inicio dos anos 90.
Da época em que foi habitada pela família Barth ficaram lembranças inesqueciveis A família gostava muito de musica. Dona Elvira tocava piano, o filho mais velho Egon tomou-se um exímio pianista e Harry estudou o violino por algum tempo, mas “não gostou e deixou”. Renata estudava piano e cantava e Léa a menor, arranhava um pouco o piano, mas “ainda não tinha se decidido nesta arte”.
As meninas tinham aulas de balé em casa com uma professora russa. Em uma tarde de outono em meio ao ensaio, apos muito esforço para fazer as meninas mexerem-se a professora começou a contorcer-se. Surpresas as duas irmãs acompanharam os gestos que poderiam ser o exemplo de um novo paço que as faria sofrer. Virou pra cá virou pra la, esticou-se, dobrou-se e finalmente, com as duas mãos sobre o ventre angustiada perguntou. “Onde é o banheiro”? E saiu correndo sem salto algum.
Renata então com quinze anos, bela princesa da casa reunia os amigos em festas em que os jovens dançavam e se divertiam e alegremente Seu casamento foi um acontecimento social A casa por sua divisão, se adaptava muito bem para estas festividades Casou-se com Alfredo Dillenburg, cuja mãe, Mimi Dillenburg, comprou em 1935 a casa do Dr. Ricaldone, onde morou até 1950.
Começou assim a valsa de troca de proprietários que, hoje, falta de interesse ou capacidade econômica dos descendentes dos proprietário originais ,deixa a Santo Inacio com duas ou três casas e uma multitude de edifícios desinteressantes, que se vendem, interessante ironia, pelo prestigio das casas que eles mesmo derrubaram.
A família Barth morou na casa até o ano de 1938. Devido a crise econômica dos anos 30, que teve sérios reflexos na economia da cidade, Calos Barth teve problemas em sua casa comercial A concordata foi pedida a recuperação da empresa se encaminhava, liderada por Carlos Barth e o inestimável administrador Gildo Russowsky. Após algum tempo, no entanto, surgiu a boa proposta de compra da casa que aceleraria a resolução de seus problemas financeiros sem causar maiores danos aos credores. A cobrança insistente de um empréstimo familiar também contribuiu muito para acelerar o processo, fazendo Léa exclamar a seus pais “Chega, vendam esta casa!”. Incontinente vendeu a casa. Atitude muito admirada pelo administrador da concordata, credores e amigos. “O seu e Barth é um homem de respeito, vendeu a casa para salvar a firma e foi morar em casa alugada”, disse o Dr. Luiz Machado, amigo da família e padrinho do neto Luiz Gerbase.
A casa foi adquirida pelo Se Alberto Fett, morador da Rua Luciana de Abreu em frente a casa de Carlos Barth. E mais tarde vendida ao Engenheiro Ruggero Micheleto, morador da Santo Inacio, 455 em casa que, curiosamente, seria adquirida em 1956 por José Gerbase, genro de Carlos Barth em conjunto com o sogro Carlos e morou no 455 ate 1982 e até falecer a filha de Ruggero, que morou no 455 morou no 266. Confuso? Não tanto. Coisas de famílias da Santo Inacio.
Lea e José Gerbase, que compraram a parte de Carlos Barth em 1961 e moraram de 1956 ao final dos anos 1980.
Os seis filhos que cresceram fascinados pela história agridoce contada por sua mãe. Ainda, de tempos em tempos, Léa sonhava com a casa de sua infância. Sonhava e, sem suspirar, voltava a luta diária da vida. Conjugava o passado, mas sempre soube construir seu presente e futuro com otimismo.
PS 1: Embora tivesse convites da conhecida Micheletto e tivesse a oportunidade de visitar a casa quando de um leilão de conteúdo por cerca de 2015, jamais retornou a casa de sua infância.
PS 2: Quando eu fui ao leilão e visitei a casa (na qual nunca havia estado) – convidei mas ela não quis ir - e contei a ela a visita ela observou “Como estão as colunas de pedra e o piso da entrada? Substituíram as colunas de madeira e o parquet por pedras. Italiano gosta de pedra, não?”









